Quintana
Em dezembro tive meu primeiro contato com o incrível poeta Mário Quintana com o livro Baú de Espantos. Fazia um tempão que eu não postava mais nada de poesia aqui no blog, por isso deixo aqui os meus poemas favoritos:
A casa fantasma
A casa está morta?
Não: a casa é um fantasma,
um fantasma que sonha
com a sua porta de pesada aldrava,
com os seus intermináveis corredores
que saíam a explorar no escuro os mistérios da noite
e que as luas, por vezes,
enchiam de um lívido assombro...
Sim!
agora
a casa está sonhando
com o seu pátio de meninos pássaros.
A casa escuta... Meu Deus! a casa está louca, ela não
[sabe
que em seu lugar se ergue um monstro de cimento e
[aço:
há sempre uma cidade dentro de outra
e esse eterno desentendido entre o Espaço e o Tempo.
Casa que teimas em existir
a coitadinha da velha casa!
Eu também não consegui nunca afugentar meus
[pássaros.
Os poemas
Poemas nas pontas dos pés.
que nem os sente o papel...
Poemas de assombração
sumindo pelos desvãos da alma...
Poemas que dançam,
rindo que nem crianças...
Poemas de pé de pilão,
um baque no coração.
E aqueles que desmoronam
- lentamente -
sobre um caixão!
A missa dos inocentes
Se não fora abusar da paciência divina
Eu mandaria rezar missa pelos meus poemas que não
conseguiram ir além da terceira ou quarta linha,
Vítimas dessa mortalidade infantil que, por ignorância dos pais,
Dizima as mais inocentes criaturinhas, as pobres...
Que tinham tanto azul nos olhos,
Tanto que dar ao mundo!
Eu mandaria rezar o réquiem mais profundo
Não só pelos meus
Mas por todos os poemas inválidos que se arrastam pelo mundo
E cuja comovedora beleza ultrapassa a dos outros
Porque está, antes e depois de tudo,
No seu inatingível anseio de beleza!
Reincidência
Não, não pude mais com essas cantigas
que nos davam um mórbido prazer!
Cansei-me de cantá-las – bom que o diga –
para a minha princesa adormecer...
Me cansei de guardar cartas antigas
que só faziam amarelecer...
E as palavras tão doces, tão amigas,
Numa bela fogueira as fiz arder
À sua voz fechei os meus ouvidos.
Mas esqueci-me de fechar os olhos...
E assim, não eram dias decorridos,
comecei a servir outros sete anos
e a plantar, entre cardos e entre abrolhos,
mais um lindo jardim de desenganos!
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